Curadoria – Maria de Fátima Lambert
Palácio
das Artes
Largo São Domingos 19, 4050-265 Porto
29 setembro a 28 outubro 2015
Horário: 3ªf a 6ªf das 10h às 18h | Sábado das
14h às 18h
No âmbito das Comemorações dos 30 anos do Politécnico do
Porto, algumas atividades desenvolvidas no contexto de projetos de investigação
inED (Centro de Investigação e
Intervenção em Educação da Escola Superior de Educação) foram incorporadas à
programação do eixo cultural.
A residência artística de José Rufino tomou, desde as
primeiras conversas, rumos latinos de “Encarnação”. Sob auspícios complexos e
ricos, implícitos em definições criteriosas, quer em termos semânticos, quer
iconográficos, Encarnatio converteu-se
em Encarnação. Convoca a disciplina
de diferentes axiologias, não somente a artística e estética, também a
filosófica, histórica, antropológica…entre outras cumplicidades científicas. A exposição
ocupa todas as salas do Palácio das Artes, em tempos idos, Convento de São
Domingos (construído no séc. XIII), tendo sofrido vicissitudes e acolhido,
posteriormente e até 1934, o Banco de Portugal na cidade. A carga arquitetónica
propicia devaneios que acolhem impulsos de restituição a materiais tidos como
obsoletos ou descartáveis, regimentando imagens e peças que o artista interfere
e transfigura mediante ação de desenho, pintura, solicitando
tridimensionalidades pensadas para este lugar que é todos os lugares
“en-carnados”...in situ. As
peças desenham-se e alastram, observando uma espécie de peregrinação pelos
espaços adentro. Surpreendentes, as obras concebidas até ao ínfimo detalhe,
evocam caminhos de identidade própria e de alteridade, denotando e
demonstrativas dos itinerários decididos pelo artista brasileiro em Portugal e
na Galiza. As viagens são parte integrante do processo criativo desenvolvido
nesta oportunidade, instituindo-se como substância fundante e direcionadora das
intervenções aplicadas. Os atos de percorrer, as caminhadas em estado de deriva
orientada, atingiram cidades que lhe eram estranhas, conjugando-se em
perplexidade e festa. A missão estética empreendida e adjacente à peregrinatio conduziu José Rufino numa
celebração altruísta, autognósica e societária, na senda de José de Arimatéia
ou de Francisco de Assis, destino a Santiago (mítico e efetivo) e retorno ao
Porto antes de regresso à Paraíba.
Para cumprir o processo criativo, o artista estabeleceu
contatos com artistas, investigadores, professores e estudantes, cumprindo o
dinamismo poiético e ativando mais e mais pensamento crítico multidisciplinar -
exigência e rigor extremos. O artista trabalha memórias, memórias ideológicas e
históricas desenhando, pintando, projetando instalações onde os objetos e as
esculturas dialogam em prol dessa convergência heterodoxa de motivações e
ideias substantivas.
Desde os anos 1980 que José Rufino apresenta as suas obras,
tendo realizado cerca de 200 exposições. No projeto agora desenvolvido em
Portugal, o artista confronta-se com matérias e reminiscências daquilo que, à
distância, eram ainda e somente “lampejos imaginados de suas memórias profundas”.
Estes exigiram ser criados para um desocultamento das raízes históricas de
Portugal, enquanto país que estimulou e ramificou em fantasias, mitemas,
derivações literárias, plásticas denotativas de forte simbolismo. Assim, também
para além da analogia à Encarnação - em que o Verbo tomou carne para ser identificar enquanto
indivíduo pessoal e humano, haverá que agregar outras aceções, como esse dom da
pele que é consciência transfiguradora do eu, sobre a aparência preenchida pelo
magma visceral. Aqui, perante a criação de José Rufino, estreitam-se os laços
entre as vertentes que retrocedem até às estéticas medievais, expandindo-se na
maior atualidade refletida e comprometida com a sociedade.
Maria de Fátima Lambert
José Rufino vive e trabalha em João Pessoa, Paraíba. Artista e escritor, é também professor de Arte nas universidades Federais da Paraíba e Pernambuco. Saiba mais em http://www.joserufino.com/site/biografia/
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