sexta-feira, 23 de outubro de 2015

ECHOES ON THE WALL

"ANA CARDOSO: PROGRESSO" - MNAC de 24/10 a 29/11/2015


Oblique-OnOff 2015
O projeto ECHOES consiste num ciclo de exposições individuais que reúne jovens artistas de origem portuguesa, a trabalhar e residir fora do seu país de origem. Artistas que apresentam, na sua maioria, um currículo construído com exposições realizadas no estrangeiro, onde têm ganho crescente reconhecimento, mas com pouco ou nenhum eco em Portugal. Ainda que a maioria destes criadores procure divulgar o seu trabalho no país natal, com a realização pontual de mostras, são de um modo geral pouco conhecidos e acabam por estabelecer maior contacto com importantes centros artísticos internacionais.

Durante cerca de um ano, o MNAC irá realizar um ciclo de mostras individuais na parede de fundo do atrium do Museu. É neste espaço de acolhimento que os visitantes são interpelados por trabalhos recentes ou inéditos de nomes da diáspora cultural portuguesa, que espelham as novas linguagens de criação artística contemporânea. O convite foi lançado a artistas lusófonos estabelecidos em países com comunidades portuguesas relevantes ou em crescente afirmação, nos cinco principais continentes de destino migratório. Valorizou-se uma visão plural com perspetivas culturais diversas e experiências artísticas distintas.

Sendo a arte uma área privilegiada para a abordagem de questões políticas, económicas, sociais, etc., estes “Ecos” propõem também a reflexão sobre questões pertinentes da atualidade: o reativar do impulso à emigração, as miscigenações sociais e respetivas hibridizações culturais, os diferentes modelos e parâmetros de integração e cidadania, a dicotomia no que toca à identidade e o surgimento de novas geografias emocionais. Esta iniciativa visa estabelecer a ponte entre as novas gerações de criadores portugueses que estão fora do contexto nacional e o MNAC  como espaço de excelência o contacto com a arte contemporânea portuguesa e local de acesso à novidade que estimula novos olhares sobre o real.

Em Progresso, 2015
(…)
Desde 1839, por altura do nascimento do daguerreótipo, que o pintor francês Paul Delaroche terá proferido a lendária frase “A partir de hoje, a pintura morreu”, com base no seu conceito de pintura como mimetização do real. Nos anos de 1960, Ad Reinhardt alegou estar a criar as últimas pinturas que alguém poderia fazer. Por fim Arthur C. Danto decidiu declarar “A Morte da Arte”, mas aquele que parecia ser um golpe derradeiro a todos os níveis, não foi mais que um ponto de rutura para a (re)interpretação da arte, uma vez que a questão centrava-se na narrativa e na definitiva alteração do seu curso, face ao paradigma que Vasari ajudou a definir para a arte no período da Renascença. Abriu-se então um novo caminho. O Turner Prize, surgido em 1984 começou por distinguir pintores. Quase dois séculos depois de Delaroche, continuamos a assistir ao aparecimento internacional de inúmeros artistas que escolhem a pintura como seu meio preferencial de expressão artística.

Progresso traduz a ideia de “avanço”. Esse movimento para diante que pressupõe em termos filosóficos a evolução da marcha no sentido do desenvolvimento, de uma mudança evolutiva, teve forte expressão no século XX, em particular devido ao modernismo que o promoveu para se destacar do que considerava ultrapassado. Ainda que nos dias de hoje, o conceito de Progresso possa transportar um cunho passadista, na sua essência contém o paradigma do que está em aberto, do que abraça o advir.

Ana Cardoso, trabalha no provir da pintura não apenas como medium, como técnica, mas como post-medium. A Ação deixa de ser apenas a do momento de pintar para passar a explorar as partes que compõem a pintura, ou melhor o processo de considerar individualmente cada elemento, a técnica, o suporte e a matéria, como partes iguais do processo.

ON OFF ON OFF-2015
O trabalho apresentado no MNAC é composto por um painel de 8 partes que se integra na parede através de uma relação cromática e de elementos de desenho.

O painel é composto por 8 telas, 4 em formato de paralelogramo com tonalidades entre o salmão e o vermelho ferro e 4 em formato de losango de outra gama de cor, que varia entre um lilás acinzentado e um cinzento malaquita. A parede retangular que recebe o painel, ao ser pintada numa cor afim às utilizadas nos elementos do painel, passa também a ser parte integrante do próprio trabalho de pintura, funcionando como suporte base que incorpora os restantes elementos geométricos. Os losangos correspondem no seu tamanho a metade dos lados maiores do paralelogramo e são dispostos em alternância, criando um jogo de linhas diagonais, podendo o último elemento estar deslocado do seu conjunto. Há o objetivo de criar com essa sequência a ilusão de uma fita que mostra a frente e o verso, ao desdobrar-se na parede, ocupando-a de forma maioritária, porque como diz Ellsworth Kelly, “O negativo é tão importante como o positivo” (“The negative is just as importante as the positive”).

As telas trabalhadas de forma modular e autónoma, afirmam num primeiro momento a monocromia, o geometrismo, a abstração que caracterizam o trabalho desta artista. Está igualmente presente outra particularidade frequente nas obras de Ana Cardoso, o interromper a lógica estabelecida com um elemento que se desloca da sequência e se autonomiza, como que a preludiar um novo trabalho. Na verdade, são necessários múltiplos para formar uma imagem, mas cada tela é uma pintura independente, podendo ser reorganizadas e re-instaladas por forma a criar um novo conjunto, uma nova peça.

Em interligação dos diferentes elementos surge o desenho com ténues linhas que evocam redes, páginas digitais, etc., só quando nos aproximamos percebemos o subtil pormenor de uma narrativa.

Nas palavras de Ana Cardoso: “para mim cada pintura é um elemento de uma proposição infinita, tornando o processo da pintura contínuo”. Uma postura pluridisciplinar que torna mais amplo o campo da pintura e a sua relação com a história, cada nova proposta inscreve-se como um contributo intermédio por forma a “instigar o progresso”.

Flat Files-2014

Curadoria : Adelaide Ginga
Texto: Adelaide Ginga
Imagens : © Direitos Reservados

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

JÚLIO POMAR E RUI CHAFES: DESENHAR

Atelier Museu Júlio Pomar até 21-02-2016





A exposição Júlio Pomar e Rui Chafes: Desenhar investe sobre uma particular ideia de ‘desenho’ ao cruzar os trabalhos de Júlio Pomar e de Rui Chafes.

Nela, mostrar-se-ão desenhos de Júlio Pomar e duas obras em ferro/instalações de Rui Chafes. Deste último artista, será produzida uma obra especificamente para esta exposição (não existindo ainda imagens da peça), e outra será mostrada pela primeira vez em Portugal. Realizadas em ferro, meio de eleição do artista, estas duas obras assumem um carácter de desenho no espaço do Atelier-Museu. Deste modo, esta exposição é pensada, desde a sua génese, como uma intervenção específica no espaço do Atelier-Museu, onde Júlio Pomar e Rui Chafes desenham recorrendo às qualidades dos traços negros, esboçados ora em linhas de carvão e grafite ora em linhas de ferro tridimensionais.

No decurso da exposição publicar-se-á um catálogo [com edição do Atelier-Museu Júlio Pomar/ Documenta] com textos de João Barrento e Maria João Mayer Branco, e imagens das obras instaladas no espaço.


JÚLIO POMAR E RUI CHAFES: DESENHAR dá início a um programa de exposições do Atelier-Museu que procurará cruzar a obra de Júlio Pomar com a de outros artistas, de modo a
estabelecer relações entre a obra do pintor e a contemporaneidade.

A acompanhar cada uma destas exposições, teremos a edição de uma entrevista aprofundada com cada um dos artistas convidados, realiza, permitindo compreender, através da voz de cada autor, as motivações e fundamentos inerentes às suas obras, sublinhando a importância da autoria na produção artística contemporânea.

Curadoria: Sara Antónia Matos

Imagens: Rui Chafes " As tuas mãos " / Júlio Pomar "Abraço(Etreinte)"
Créditos: António Jorge Silva

Bibli. Press release da exposição

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

“Interregnum” de Stan Douglas

Museu Coleção Berardo 


Stan Douglas, The Secret Agent, 2015. Cortesia do artista, da galeria David Zwirner, Nova Iorque e Londres, e da galeria Victoria Miro, Londres.


Nesta exposição é estreada a obra The Secret Agent filmada em Lisboa e que aborda a situação histórica vivida em 1975 a partir de uma adaptação da novela homónima de Joseph Conrad. A exposição integra ainda outras obras recentes de Stan Douglas, artista canadiano nascido em 1960, que reencenam aspetos políticos e culturais relacionados com o mesmo período histórico do final do colonialismo e da emergência de uma nova ordem global: Disco Angola (2012) e Luanda-Kinshasa (2013), que desenvolvem estas questões, foram realizadas no curso da investigação que o artista levou a cabo sobre a transformação da realidade portuguesa na década de 1970 e a emergência de uma nova ordem global. Neste sentido, tanto os testemunhos associados aos factos referenciados, como o historial da sua posterior reflexão historiográfica ou artística, a par do vasto material documental, sobretudo fotográfico, constituíram as principais fontes.

A exposição pode ser visitada gratuitamente até ao dia 14 de fevereiro no piso -1 do museu. Durante a exposição, o público é convidado a participar num programa de atividades e de conversas que serão atempadamente anunciadas.

Por ocasião da exposição, o Museu Coleção Berardo publica o livro História e Interregnum. Três Obras de Stan Douglas, dando à estampa um extenso ensaio de Pedro Lapa, diretor artístico do museu e curador desta exposição, que analisa a «trilogia» de obras de Stan Douglas. Para além da versão portuguesa, o livro existe ainda em inglês, numa parceria entre o museu e a Archive Books de Berlim, que assegura a distribuição internacional.

Apoio à exposição: Stan Douglas studio, galeria David Zwirner e galeria Victoria Miro.

Bibli. Press release da exposição

terça-feira, 20 de outubro de 2015

HELENA ALMEIDA : A MINHA OBRA É O MEU CORPO, O MEU CORPO É A MINHA OBRA

Museu de Serralves até a 10 janeiro de 2016


Imagem: Helena Almeida, Saída negra [Black Exit], 1995 (pormenor). 5 Fotografias p/b. 71 x 48 cm (cada). Col. Norlinda e José Lima, em depósito no Núcleo de Arte da Oliva Creative Factory. Fotografia: Aníbal Lemos, cortesia Núcleo de Arte da Oliva Creative Factory
Esta exposição dedicada à obra da conceituada artista portuguesa Helena Almeida (Lisboa, 1934), examina o seu trabalho de pintura, fotografia, vídeo e desenho ao longo de quase cinco décadas. A exposição salientará a importância do corpo – que regista, ocupa e define o espaço – e o seu encontro performativo com o mundo nas obras realizadas pela artista de meados dos anos 1960 até à atualidade. Além das pinturas "habitadas” e das series fotográficas pelas quais é mais conhecida, serão mostradas na exposição obras raramente exibidas ao longo da sua carreira artística. Por meio da sua pintura abstrata inicial, Helena Almeida introduz as preocupações centrais que definem a sua prática artística numa diversidade de disciplinas, nomeadamente o interesse em ultrapassar os limites do espaço pictórico e narrativo que sempre desempenhou um papel fundamental na obra da artista. Como Helena Almeida afirma: "A minha pintura é o meu corpo, a minha obra é o meu corpo”. 

Por ocasião da exposição será publicado um catálogo (com edições em português, inglês e francês. O processo de trabalho da artista e o lugar da sua obra no contexto da arte portuguesa e das práticas artísticas feministas e performativas dos anos 1970 e das décadas subsequentes serão explorados nos ensaios inéditos de Peggy Phelan (Professora de Teatro e Performance e Inglês da Universidade Stanford), Connie Buttler (Curadora Chefe do Hammer Museum da Universidade de Los Angeles) e de Bernardo Pinto de Almeida (historiador e crítico de arte, Professor Catedrático na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto) e numa entrevista com a artista conduzida pelos curadores da exposição, João Ribas e Marta Moreira de Almeida.

"Helena Almeida” é comissariada por João Ribas, Diretor Adjunto e Curador Sénior, e Marta Moreira de Almeida, curadora do Museu de Arte Contemporânea de Serralves. 

A exposição viajará até ao Jeu de Paume em Paris (primavera de 2016) e o Wiels, Centre d’art contemporain, em Bruxelas (outono de 2016). 


Bibli. Press release da exposição


segunda-feira, 19 de outubro de 2015

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Palácio Vila Flor e Centro Internacional das Artes José de Guimarães

novas exposições a partir de 17 de outubro


PAULO MENDES ,  S DE SAUDADE

17 de outubro é dia de mais uma inauguração conjunta em Guimarães. O programa terá início às 16h30, no Palácio Vila Flor, onde Paulo Mendes apresentará uma antologia das obras da série “S de Saudade” iniciada em 2007. O trabalho de Paulo Mendes especula sobre o desassossego de uma presença post-mortem. No propósito de questionamento crítico sobre os efeitos traumáticos de um regime, o artista junta diferentes elementos visuais, numa disposição visionária e parcelar, reativando o que historicamente sucumbiu à vulgaridade e indiferença.
 
O “Senhor S”, protagonista da exposição, surge como reabilitação iconoclasta do Homem sem Qualidades, de Robert Musil. A falta de legitimidade humanista que traça o percurso histórico do ditador faz soçobrar a sua imagem no abismo enigmático; sombra esfíngica e patológica, reflexo especular, aparência sintomática, interpela o observador que, pelo reconhecimento do outro se reconhece neste diálogo interior. A silhueta esquiva, difusa e sinuosa do “Senhor S” erra no amontoado de artefactos, preservados no sótão das memórias recalcadas; silenciosa, quase inerte, contempla, de forma panótica, os medos, angústias, incertezas, debilidades e inseguranças, desdenhando o perigo, ambivalência ou relatividade de opiniões, argumentos e ideologias.
 
A exposição sugere um espaço fechado, durante décadas selado, no qual o “Senhor S” emerge como repositório de atos cruéis. Misturados com as peças, os objetos de uso comum, abandonados, esquecidos e dispostos ao acaso, evocam a paisagem cultural da personagem fantasmática; constituindo um peculiar sistema de sinais, que põe a nu o jogo semântico entre objetos e elementos visuais, aos quais um código intuitivo extralinguístico atribui uma espécie de “iluminação” historicista e ficcional. Assim, a cada significado correspondem múltiplas hipóteses de iluminação, pelas evocações, alusões, simulações imaginosas na cor ou fragrância de um pensamento.

INQUÉRITOS, Pastores com carroça, capucha e cão lobeiro, Cinfães, Gralheira, 1955 ©Ordem dos Arquitectos


Às 19h00, é a vez do Centro Internacional das Artes José de Guimarães inaugurar a segunda grande exposição coletiva do ano, “Os Inquéritos [à Fotografia e ao Território]: Paisagem e Povoamento”, projeto que aborda e tematiza o papel da fotografia no mapeamento, documentação e construção pela imagem do território português.
 
Tendo como ponto de partida a expedição à Serra da Estrela, realizada sob a égide da Sociedade de Geografia de Lisboa, em 1881, que contou com a colaboração de Martins Sarmento, e o trabalho pioneiro e menos conhecido de Carlos Relvas sobre uma considerável porção do território português, a exposição reúne um conjunto de inquéritos ao território em que a fotografia (e em alguns casos o filme) assume particular relevância – desde o levantamento contínuo de Orlando Ribeiro, iniciado ainda na década de 1930, passando pelo “Inquérito à Arquitectura Regional”, realizado na primeira metade de 1950 e pelas recolhas do grupo de etnólogos formados e liderados por Jorge Dias no âmbito do Centro de Estudos de Etnologia, sistematizadas a partir da década de 1950 até ao princípio de 1980, revisitando as peças em que Alberto Carneiro recorre sistematicamente à fotografia, entre 1973 e o princípio dos anos 1980, até aos levantamentos mais recentes, de Duarte Belo (Horizonte Portugal, O Sabor da Terra, Portugal, Luz e Sombra, etc.), Luís Pavão (Serras do Caldeirão e de Monchique) ou Álvaro Domingues (A rua da estrada, A vida no campo), André Príncipe (Campo de flamingos sem flamingos) ou Daniel Blaufuks (Um pouco mais pequeno que o Indiana), Nuno Cera e Diogo Seixas Lopes (Cimêncio), Paulo Catrica, Valter Vinagre, Jorge Graça, Álvaro Teixeira, Pedro Tropa, Carlos Lobo e Eduardo Brito, ou ainda, Duas Linhas e Sete Círculos. 
 
Pondo lado a lado um amplo conjunto de imagens, documentos e publicações, alguns deles não antes vistos em contexto museológico, esta exposição oferece-nos uma miríade de retratos do território português, tão diversos quanto fascinantes, que nos induzem a uma reflexão sobre nós mesmos e o lugar em que nos foi dado viver. 
 
Para além da exposição “Os Inquéritos [à Fotografia e ao Território]: Paisagem e Povoamento”, que ocupará a totalidade das salas reservadas às exposições temporárias, recordamos que poderá também (re)visitar a coleção permanente e outras obras patente no piso 1 do CIAJG. Esta exposição sofreu uma remontagem no mês de julho com a apresentação da obra de Pedro Valdez Cardoso, “Ártico: narrativa e fantasmática”, que reúne uma instalação e um alargado conjunto de desenhos que estabelecem um diálogo com a prática arqueológica. Estas novas propostas juntaram-se aos ex-libris da coleção que continuam em exposição, nomeadamente o tão apreciado e visitado núcleo As Magias, que reúne um alargado conjunto de máscaras africanas.

Bibli. Press release da exposição



quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Encarnação – exposição de José Rufino

Curadoria – Maria de Fátima Lambert





Palácio das Artes 
 Largo São Domingos 19, 4050-265 Porto

29 setembro a 28 outubro 2015

Horário: 3ªf a 6ªf das 10h às 18h | Sábado das 14h às 18h



No âmbito das Comemorações dos 30 anos do Politécnico do Porto, algumas atividades desenvolvidas no contexto de projetos de investigação inED (Centro de Investigação e Intervenção em Educação da Escola Superior de Educação) foram incorporadas à programação do eixo cultural.
A residência artística de José Rufino tomou, desde as primeiras conversas, rumos latinos de “Encarnação”. Sob auspícios complexos e ricos, implícitos em definições criteriosas, quer em termos semânticos, quer iconográficos, Encarnatio converteu-se em Encarnação. Convoca a disciplina de diferentes axiologias, não somente a artística e estética, também a filosófica, histórica, antropológica…entre outras cumplicidades científicas. A exposição ocupa todas as salas do Palácio das Artes, em tempos idos, Convento de São Domingos (construído no séc. XIII), tendo sofrido vicissitudes e acolhido, posteriormente e até 1934, o Banco de Portugal na cidade. A carga arquitetónica propicia devaneios que acolhem impulsos de restituição a materiais tidos como obsoletos ou descartáveis, regimentando imagens e peças que o artista interfere e transfigura mediante ação de desenho, pintura, solicitando tridimensionalidades pensadas para este lugar que é todos os lugares “en-carnados”...in situ. As peças desenham-se e alastram, observando uma espécie de peregrinação pelos espaços adentro. Surpreendentes, as obras concebidas até ao ínfimo detalhe, evocam caminhos de identidade própria e de alteridade, denotando e demonstrativas dos itinerários decididos pelo artista brasileiro em Portugal e na Galiza. As viagens são parte integrante do processo criativo desenvolvido nesta oportunidade, instituindo-se como substância fundante e direcionadora das intervenções aplicadas. Os atos de percorrer, as caminhadas em estado de deriva orientada, atingiram cidades que lhe eram estranhas, conjugando-se em perplexidade e festa. A missão estética empreendida e adjacente à peregrinatio conduziu José Rufino numa celebração altruísta, autognósica e societária, na senda de José de Arimatéia ou de Francisco de Assis, destino a Santiago (mítico e efetivo) e retorno ao Porto antes de regresso à Paraíba.
Para cumprir o processo criativo, o artista estabeleceu contatos com artistas, investigadores, professores e estudantes, cumprindo o dinamismo poiético e ativando mais e mais pensamento crítico multidisciplinar - exigência e rigor extremos. O artista trabalha memórias, memórias ideológicas e históricas desenhando, pintando, projetando instalações onde os objetos e as esculturas dialogam em prol dessa convergência heterodoxa de motivações e ideias substantivas. 



Desde os anos 1980 que José Rufino apresenta as suas obras, tendo realizado cerca de 200 exposições. No projeto agora desenvolvido em Portugal, o artista confronta-se com matérias e reminiscências daquilo que, à distância, eram ainda e somente “lampejos imaginados de suas memórias profundas”. Estes exigiram ser criados para um desocultamento das raízes históricas de Portugal, enquanto país que estimulou e ramificou em fantasias, mitemas, derivações literárias, plásticas denotativas de forte simbolismo. Assim, também para além da analogia à Encarnação - em que o Verbo tomou carne para ser identificar enquanto indivíduo pessoal e humano, haverá que agregar outras aceções, como esse dom da pele que é consciência transfiguradora do eu, sobre a aparência preenchida pelo magma visceral. Aqui, perante a criação de José Rufino, estreitam-se os laços entre as vertentes que retrocedem até às estéticas medievais, expandindo-se na maior atualidade refletida e comprometida com a sociedade.

Maria de Fátima Lambert



José Rufino vive e trabalha em João Pessoa, Paraíba. Artista e escritor, é também professor de Arte nas universidades Federais da Paraíba e Pernambuco. Saiba mais em  http://www.joserufino.com/site/biografia/