quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Inauguração: Daniel Barroca | Sobre a Destruição da Destruição

escritorio avenida 211Sexta-feira 21.11.2014, 22h



Rascunhos, ficções e apontamentos sobre A Destruição Da Destruição.


Num dos contos do Aleph chamado A busca de Averróis publicado em 1949, Jorge Luis Borges traduziu o título da obra de Averróis, ou Ibn Rushd,Tahāfut al-Tahāfut (séc. XII) por A Destruição da Destruição. Em 1954 é finalmente publicada a primeira versão em inglês do texto de Averróis traduzida por Simon Van Den Bergh cujo título é: The Incoherence of the Incoherence. Na introdução que o próprio Van Den Bergh escreve para esta edição, ele discute os critérios da sua tradução partindo do grande movimento de tradução do pensamento grego para árabe iniciado por Cristãos Sírios e impulsionado pela expansão Islâmica, principalmente entre 750 e 850 d.C
As traduções e os comentários aos autores gregos escritos por autores de língua árabe, principalmente andaluzes, tiveram uma importância fulcral para os latinos. Ibn Rushd, ou Averróis, foi uma das vias mais sólidas para o mundo cristão medieval europeu ocidental chegar a Aristóteles. Ou seja, para se ler Aristóteles foi necessário ler Averróis e uma das suas principais obras foi o Tahāfut al-Tahāfut que os latinos medievais traduziram para latim como:Destructio Destructionis A Destruição da Destruição. O que Borges fez em 1949 foi manter o sentido (ou o equívoco) da tradução latina. De algum modo, ele continuou a traçar, tendo talvez mesmo fechado, o círculo que esses velhos tradutores haviam iniciado ao repetir a palavra Destruição. 
Um círculo fechado pode ser um ciclo, e a imagem de um ciclo é um círculo em movimento. A Destruição da Destruição da Destruição da Destruição, em espiral até ao infinito.

Para mim, agora, falar da Destruição da Destruição, é pensar sobre o facto de um problema de tradução poder gerar um equívoco histórico que sustente uma elocução tão poderosa como A Destruição da Destruição. É imaginar um ciclo hermético que é a sua própria causalidade. Um movimento precário para uma eternidade poderosa e frágil. Aqui e Agora, há uma festa que acaba e há outra que potencialmente começa sem ninguém saber ainda nem onde nem com quem; e no futuro, estaremos aqui outra vez, neste mesmo lugar que é o lugar onde estamos hoje, e estaremos com o mesmo dilema que é deixarmos o passado sem saber o que será do amanhã. Para os velhos atomistas, tudo colapsa e renasce a cada instante e amanhã é outra vida (que é a mesma ou um desdobramento dela). O que se perde numa tradução, é esse acidente ou equívoco que se inscreve no real e que o tempo sustenta. E assim, materializa-se o espaço para uma posteridade distorcida que por momentos fica como a pura verdade. O que se perde numa tradução pode ser o pilar para uma ética confundida, que se expande na confusão de um tempo sem espaço ou de um espaço sem tempo; é a amplitude de um movimento que atravessa uma paisagem longínqua e que é urgente imaginar; é um território saturado pela violência dos Homens na sua luta pelo domínio do futuro. Obviamente que existem profundas fracturas entre mundos que desaprenderam a traduzir-se. Mas por entre essas fracturas, existem vias de passagem que proporcionam trocas incrivelmente poderosas. O mundo, é um lugar poroso.

Daniel Barroca
 in Press release da exposição






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